terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Uma lição


           Estava tão envolvida com minha tristeza que se ela me deixasse sentiria falta.
          Sentindo-me solitária, mesmo cercada pelo incessante burburinho da praça.
            Pretensiosamente esperava respostas, soluções, como se soubesse o que era o certo para mim.
          Queria, talvez, sinais de que Deus me ouvia!
          Sentindo-me incompleta como um ser humano que não sabe a que veio. Andava sem perceber, olhava sem ver.
           Aí, notei que passava no meio de um bando de pombinhas que comiam migalhas no chão.
          Parei de prestar atenção em mim e concentrei-me no bando. Uma delas, uma pombinha branca, comia deitada enquanto as outras andavam rápidas, ela permanecia parada só bicando o que estava ao seu lado.
         Algum barulho as assustou. Voaram rápido para o telhado mais próximo.
         A que estava deitada levantou-se e pude ver, com piedade, que ela só tinha uma das  pernas...
        Capengando tentava afastar-se de mim que a seguia, pensando como devia ser difícil viver no bando com aquela diferença.
         A frágil pombinha da qual tinha eu tanta piedade, voou...
        Majestosamente, suavemente voou nos ares sobre minha cabeça e foi juntar-se ao bando.
        Ela não precisava de piedade bastava querer e voaria alto!
       Com toda certeza achei minhas respostas. De forma simples Deus mostrava-me que    bastava querer.
      Mesmo que os problemas me mutilassem, eu podia voar em pensamento. Voar alto, buscando conquistar minhas certezas e meus objetivos.
                                                                                                                          Vó Lucilia – Ubá/RJ                      

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Olhai os lírios do campo


Já não há campos! Estão ressecados, abandonados. Já não temos a bucólica visão tranqüilizante dos campos, está corrompida, envenenada...
Transformam-se os campos com o asfalto do pequeno progresso e da urbanização desorganizada.
Como ver os lírios na plácida e serena beleza nativa?
Como sentir a textura aveludada dos lírios se nos chegam forjados por grotesca mutação, em material sintético?
Séculos e séculos após a citação dos lírios precisaríamos tocá-los, sentir sua maciez para compreender que, por mais que se esforcem nenhum Salomão da vida jamais se vestirá como eles.
É preciso amar, lavrar, plantar, cuidar os campos para que cresçam os lírios e diante da verdadeira beleza caiam as vendas dos olhos humanos.
Vó Lucilia

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Violência menor


Curta vida. Curta temporada que nem lhe deu chance de amadurecer. Não é vítima da violência. É a própria violência encarnada. Era odiado, evitado, rejeitado. Nem deram- lhe a       chance de falar do que gostava o que queria. Se é que gostava de alguma coisa ou queria alguma coisa.
Apenas se defendia e sobrevivia. Filho de um ignoto passador inconseqüente de espermas e de uma criança que muito cedo aprendeu se vender. Criança que não o queria. Criança que odiou saber que outro coração batia em compasso com o seu. Fruto do sexo não do amor! Foi obstinado, teimoso desde então. Resistiu aos ataques contra sua vidinha uterina e viveu! Veio fraquinho não teve colostro. Não teve nome, vacina, escola ou religião...
Chorou, engatinhou e perambulou pelo mundo. Aprendeu a se defender. A melhor defesa era o ataque. Queria, tomava.
Ficou conhecido. Valente não por coragem, mas por desconhecer regras fundamentais que levam ao perigo.
A vida roda viva de prazeres precoces, de fugas enganosas de vícios de gente grande.
Ultrapassou limites! Chocou com a crueldade. É culpado. O veredicto é dado, sem chance de defesa.
Jaz, agora, sua curta vida interrompida pela violência que o gerou. Fera acuada, fera abatida.
Culpado?                                                                                                                           
 Vó Lucilia

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Eu, Lucilia


Andei descalça,parei na praça. Já ri sem graça,tinha que rir......                                    
Comi sem pratos,criei cem gatos. Calcei sapatos que nem eram meus.
Andei nas nuvens bebi garapa .Comi bobagem e vomitei.
Andei de trem. Andei nos trilhos . Corri das feras , já me feri .
Pisei no prego , já  fiz cocada e paco -paco o que eu comprava era  beiju .
Usei açúcar pensando em sal .Já costurei minhas fantasias e andei em círculos para não ir .
Prefiro ir só do que com você , prefiro você do que sua tia , para Cotia o meu amor.
Já pulei corda , toquei piano . Já senti medo de não chegar .
Nadei na praia, morri na praia .Tinha dinheiro , nunca o bastante . Já tinha tudo , prá que dinheiro ?
Criei girinos numa bacia . Já soprei velas , me confundi .
Não quero ir nem quero ficar e não chegar nunca no fim .
Chupei bala azeda , joguei baralho . Estudei muito mas não aprendi .
Estou cansada de malas prontas . Para a charanga que eu vou descer .
Amanhã prossigo . Só quero abrigo .
Só quero o sono para dormir !   

Sobre Lucilia

Origem_ Na grande Taba dos Goitacases nasci, entre curumins piraquaras. Lá pros idos de quando um grande morubixaba gaúcho governava a Taba Pátria Tupiniquim.  
                 Sendo eu um remanescente raminho da intrínseca união de Pereiras da baixada e   mais além, neguei a raça no que deveria ser radiosa beleza de traços da cor trigueira da minha tribo. Brilhei, contudo na  sagacidade e o espírito indônito, indócil e curioso me fez alçar vôo para Terras Puris, dos vasos quebrados, dos cipós e das canoas talhadas num só lenho, para desbravar  e forjar novos horizontes.                            Longe das várzeas rebordo do grande rio, lágrimas e serras ocultavam a Terra Natal e um escudo ilusório escondia alguma saudade para fazer forte a cunhã de outras plagas.                                                                                                 
                                      Foi o pacto entre a estrangeira e os nativos do lugar sem pirronices e magistral. A mim coube fazer vislumbrar o mundo encantado das letras, dos livros e dos números, a eles me ensinar a amar a terra e a sobreviver dela.       __Lucilia